Após a sequência de três shows no final de semana (Goiânia, Rio e Niterói), eu, Nicolas e Katu não retornamos para casa. A ideia era passarmos uns dias no Rio de Janeiro e, na quarta-feira, pegarmos o voo para João Pessoa. O plano previa algum descanso e curtição. Não foi exatamente o que aconteceu. Mas também não dá para reclamar.
Katu, doente, se converteu numa espécie de Nosferatu: de dia ficava trancado no quarto, sem nenhuma fresta de luz invadindo o ambiente. De noite, recuperava as energias e partia para o crime, geralmente acompanhando o Nicolas – recordista absoluto em “aproveitamento de turnê”. Misturando trabalho com mais trabalho, acabei usando o tempo no Rio para buscar as recompensas do Catarse para o livro Arquivo Ota, que lançaríamos pela MMarte na CCXP dias adiante.
Ota, se é que alguém não sabe, é Otacílio d’Assunção Barros, lendário cartunista e editor de quadrinhos, falecido em 2021. Simplesmente o cara que trouxe a revista MAD pro Brasil. Eram setenta quilos de revistas antigas, folhetos e memorablia que eu teria que despachar para Goiânia. Foi uma epopeia e tanto, cujo sucesso devo à ajuda de meus camaradas Christian Caselli e Pietro Luigi. E ainda rolou uma visita incrível à Fábrica Bhering e ao Museu de Arte do Rio. Como se não bastasse, ainda inventei tempo para levar o catálogo da MMarte para o excelente sebo carioca Baratos da Ribeiro – o que implicou em umas tantas cervas e doses de uísque com o proprietário Maurício Gouveia. Logo já era hora de tomar o voo para a capital paraibana, próxima parada da tour.
Em João Pessoa, atolados de equipamento, somos recebidos por Thiago, dono da loja/café/casa de shows General Store. Quer dizer, Thiago para os outros. Para gente é o velho chapa Frangão, amigo goiano que há tempos migrou para o nordeste. Tendo esquecido de retirar a cadeirinha de bebê do banco traseiro, e carregando várias almofadas promocionais da Coca-Cola, tivemos que fazer milagre para caber ali dentro. Mas esse é um milagre que foi totalmente dominado pelos Mechanics.
Praia, pé na areia, camarão. A coisa estava começando a ficar boa. Mas o quiosque em que o Frangão havia nos deixado rendeu uma bela pernada até o hotel. Entramos no quarto e meu plano era voltar pra areia, agora em trajes de banho. Encostei na cama e o cansaço me amarrou ali até o Sol se por – em Jampa isso acontece pouco após às 17h. Mesmo assim ainda saí e dei um mergulho no mar quentinho, mesmo que de noite.
Nicolas apagou por completo. Eu e Nosferatu, isto é, Katu, ainda fomos para a General Store, ver uma apresentação de forró pé-de-serra, com rabeca e tudo. De volta ao hotel, Katu se lembra que precisa comer algo. Acometido por uma onda de bom-senso, deixo ele ir sozinho. O sujeito só retornaria ao quarto horas depois, quase amanhecendo, cheio de histórias acerca do famigerado Bar do Gringo.
Acordo na quinta-feira relativamente descansado, tomo um café da manhã e vou para a Praia de Tambaú. E finalmente curto um dia de relax, banhos de mar, cerveja e camarão. Agora sim. De noite, Nicolas e Katu resolvem ir para a General Store em busca de um show do KL Jay, dos Racionais MC’s – que só iria acontecer dali a um mês. Eu, ainda surfando a onda do bom senso, fico repousando. Obviamente os dois foram parar no Bar do Gringo.
Na sexta, meus amigos e ídolos do Zefirina Bomba me buscam para uma entrevista na rádio local. Ali tenho a oportunidade de conhecer Totonho e Vó Mera, legendas da música paraibana. Na sequência, retiro o carro locado que nos levaria dia seguinte para Natal. Pedro – que havia passado a semana em Goiânia – chega e vamos para a General Store. Era hora do barulho.
O público, convenhamos, não foi dos maiores. Mas a festa foi incrível. A abertura ficou por conta do Tapuia, revelação do new metal local. Em seguida foi a vez dos baianos Meus Amigos Estão Velhos (vulgo, MAEV). O nome já explica: apesar da banda ser recente, ela é constituída por músicos que fizeram parte de infinitas outras formações do rock soteropolitano. A experiência transparece nas composições e na performance. Showzaço.
O avançar da hora fez com que tivéssemos que comprimir nosso set. Sem problemas. Baixamos o porrete, mesmo com Katu febril pelos excessos acumulados ao longo dos últimos dias. E era a hora da Zefirina Bomba estourar a nossa cabeça. Afinal, eles só precisam de 20 minutos para isso.
Show acabado, a noite só começava. Ainda teria fumaça na praia e, obviamente, Bar do Gringo. No dia seguinte, antes de pegarmos a estrada rumo a Natal, eu e Pedro ainda tiramos um tempinho para nos despedir do mar de Tambaú. Que o retorno seja breve.
Rodovia, hotel, carne de sol em frente ao Morro do Careca, banho e Uber até o Cais da Ribeira – espaço que abrigou a 20ª edição do Festival DoSol. Pilotado pelos queridos Anderson Foca e Ana Morena, o DoSol é uma instituição da música potiguar. Concentrado neste sábado, 30 de novembro, uma torrente de shows acontecem simultaneamente em diversos palcos (cinco, até onde minha memória alcança). E aí descobrimos que, apesar do horário nobre e de dispormos de um set com espaçosos 50 minutos, iremos tocar no menorzinho, tradicionalmente uma casa de samba. Fama de maldito dá nisso aí.
A saída é a de sempre: transformar frustração em fúria. E fazer valer a experiência para cada um que entupiu o local do show. Se num primeiro momento eu pensei que as pessoas não conseguiriam ficar muito tempo ali dentro em virtude do calor e da pressão sonora, logo vi que estava enganado. O pico ficou realmente entupido, com presenças ilustres dos amigos do Zefirina Bomba e do MAEV, bem como de outras bandas – além, óbvio, do público em geral. Mesmo as janelas estavam apinhadas de gente do lado de fora, observando o caos que se instalou no Espaço Cultural Rosas na Cartola. O resultado foi um dos shows mais intensos de nossa trajetória e, provavelmente, o mais virulento da turnê. Passamos o resto da noite sendo abordados por pessoas do público, comentando o que viram. E agora Foca e Ana Morena estão obrigados a nos levar de novo ao DoSol, em um palco maior, para um estrago ainda maior.
Rock é a música dos excessos. Mal chegamos em Goiânia e descubro que Natal não teria sido o último show de 2024 – ano em que os Mechanics completaram três décadas de existência. Já estava agendado, no Shiva Alt-Bar, uma última apresentação, dia 12 de dezembro, dessa vez numa dobradinha de repertórios: Mechanics e Nirvanics (nosso tributo à seminal banda de Seattle, a Goiânia norte-americana). Antes disso, contudo, uma nova viagem para São Paulo, participando da CCXP com o lançamento do livro Arquivo Ota. Vou contar uma coisa para vocês: a megaconvenção de cultura nerd é mais cansativa que qualquer turnê – sem a diversão tresloucada que só o rock pode proporcionar.
No Shiva, encerramos os trabalhos do ano com o show mais extenso e extenuante da nossa história: 29 músicas, que preencheram carca de duas horas de apresentação. No dia seguinte, acordei afônico e absolutamente exausto. Ao menos não estava doente – algo que seria previsível depois de tanto tempo na estrada. O orgulho durou pouco. Há dois dias contraí uma virose, ou algo do tipo. Coisas do rock. Agora é deixar a carcaça de molho e esperar o que 2025 reserva para os malditos Mechanics. Até lá.