Rock na terra da garoa!

A coisa toda começou em 1994. Mais precisamente no dia 18 de novembro. Até onde minha memória alcança, era um sábado. Aos vinte e poucos anos de idade, já havia vendido minha alma para o Rock. Faltava montar minha própria banda. Foi o que fizemos no DCE da UFG, usado para um primeiro “ensaio”. Como não havia equipamento para voz, me esgoelei a ponto de ficar incapaz de falar por alguns dias. Sem problemas. Nasciam ali os Mechanics, sem maiores pretensões.

Três décadas depois, ainda estamos aqui. Sem modéstia alguma, somos uma espécie de pedra fundamental daquilo que ficou nacionalmente conhecido como rock alternativo de Goiânia, ou mesmo, rock da Monstro. Ajudamos a fundar a Monstro Discos, o Goiânia Noise, lançamos discos, participamos de diversos festivais Brasil afora, tocamos em infinitos buracos, nos metemos em muita confusão. Nunca ganhamos dinheiro. Mas construímos uma trajetória de considerável respeitabilidade na música subterrânea brasileira. E agora estamos celebrando tudo isso com a turnê 30 Anos de Mechanics – que compartilharei semanalmente com vocês, leitores/ouvintes da 89 FM. Se sua curiosidade é saber como de fato funciona uma banda independente, a hora é essa. E prometo não poupá-los dos detalhes.

Sempre repito: trinta anos não são trinta dias. E mesmo para uns relaxados como nós, uma efeméride dessas não poderia passar em branco. Daí que eu e o nosso batera Pedro Brito (respectivamente responsáveis pelas produtoras culturais MMarte e Taboo) nos metemos, meses atrás, a elaborar um projeto para o edital Circula Goiás, da Lei Federal Paulo Gustavo. Não quero matar os leitores de tédio, mas após idas e vindas, choro e ranger de dentes, conseguimos aprovar o projeto e dar início à produção – que inclui as cidades São Paulo/SP (8 e 9/11), Belo Horizonte/MG (15/11), Brasília/DF (17/11), Goiânia/GO (22/11), Rio de Janeiro/RJ (23/11), Niterói/RJ (24/11), João Pessoa/PB (29/11) e Natal/RN (30/11).

Sou o único membro da formação original do Mechanics. É natural. Com essa longevidade, uma parte considerável dos músicos de Goiânia acabaram passando pela banda em um momento ou outro. Além de mim e do Pedro, completam a formação Katu Leão (guitarra) e Nicolas Deretti (meu filho, no baixo, substituindo o também fundador Little John). Tomamos o voo eu, Katu e Nicolas. Uma tonelada de equipamentos. São Paulo sob dilúvio. Trânsito engarrafado, táxi caro pacas. Mas finalmente chegamos ao nosso destino, um airbnb no Centro – onde já nos esperava minha esposa, Márcia Deretti, produtora da tour. Centro de São Paulo vocês sabem a podreira que é. Nos sentimos em casa. Pedro, por sua vez, se hospedou com a família (esposa, dois filhos e prima) em outra região, mais próximas dos shows. Iria aproveitar a viagem para comemorar o aniversário do caçula. No Rock independente, flexibilidade é palavra de ordem.

Márcia havia recebido um motoboy com as camisetas promocionais da banda. Por causa da chuva, cobrou mais caro. Paulista é fogo. Terminei uns trabalhos apressadamente e corremos pro local do show – o excelente Red Star Studios. Infelizmente não deu para conferir a apresentação dos locais GG. Di Martino No Wall Noise Band. Fiquei chateado pacas. Tudo que vi da banda era incrível. Fiquei feliz quando um deles disse que fizeram um set com uma bateria eletrônica substituindo o baterista que estava indisponível só para tocar conosco.

Montei a mesinha do merchan (discos, as tais camisetas e um kit compacto dos livros da MMarte – que também é editora), virei umas duas latinhas e corri pro palco. O show fluiu melhor que o esperado. Na plateia, algumas figuras icônicas dos quadrinhos e artes gráficas brasileiras, como Max Andrade, Felipe Portugal e o mestre dos mestres Jaca. Recluso como é, fiquei absurdamente honrado com a presença do Jaca. Fechando a noite, os decanos da psicodelia noise brazuca, Firefriend. Fechando a noite, não. Fechando os shows, quero dizer. Do Red Star, caímos no boteco do lado, acompanhados de novos amigos e do cineasta Gurcius Gewdner. Fomos embora quando nos botaram pra fora.

Acordamos no sábado com ressaca moderada. Almoçamos com Luiz Gê, gênio absoluto dos quadrinhos brasileiros – que depois ainda daria as caras no show da noite. Uma leve descansada no final da tarde e é hora de partirmos rumo ao La Iglesia Borratxeria, uma das casas mais importantes do Rock independente brasileiro contemporâneo, propriedade de ninguém menos que Jão, icônico guitarrista dos Ratos de Porão. Ou seja, um palco responsa, que dividiríamos com nossos camaradas Matanza Inc. – e, de última hora, com os Bebês Feios, selando a velha brodagem underground.

Carregamos ainda mais no peso da apresentação – que contou com tradução em libras, veja só. Foi legal ver pessoas que haviam nos conhecido na noite anterior retornarem para nos prestigiar novamente. A tal magia do Rock independente. E novas presenças ilustres: Paulo Beto e Tati Meyer, do Anvil FX, amigos e até uma querida leva de primos que veio de Sorocaba para nos prestigiar. A banquinha do merchan funcionou um pouco melhor – traduzindo, vendemos alguma coisa. E o fim da noite foi no clássico bar e restaurante Sujinho, na companhia de Paulo Beto, Tati, Luiz Gê e a insólita aparição da lendária Lucinha Turnbull.

Domingo o Rock era em quadrinhos, na Feira Ogra, organizada na icônica Ugra Press. MMarte marcando presença, junto a amigos de todo o panorama editorial independente brasileiro. E segunda foi a vez de marcarmos presença na Web Rádio AntenAZero, onde fomos entrevistados por Clemente Tadeu, lenda do punk nacional e eterno vocalista dos Inocentes. Além do bate-papo afiado, ainda rolou nossa música Fracasso. Afinal, sucesso é para os fracos.

Por Márcio Paixão Júnior

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